domingo, 7 de outubro de 2012


Novo Código Penal, velha vergonha  


Código Penal: entre baleias e seres humanos

A árdua tarefa de reformar uma legislação de 1941 não poderia ser bem sucedida em apenas oito meses. Para a elaboração das propostas do novo Código Penal, não foram realizadas discussões com as principais faculdades de direito do país. Não houve ampla participação das instituições e entidades de classes da área jurídica. O diálogo com a sociedade não foi satisfatório.

As audiências públicas, pautadas principalmente em temas 
polêmicos como aborto e eutanásia, ofereciam apenas três 
minutos para a manifestação de cada um dos tantos interessados. 
O resultado da pressa não poderia ser diferente. O texto legislativo 
apresenta falhas graves. Trata-se de um código feito por dez 
advogados, dois procuradores de justiça e três juízes.

Entre os piores erros, destaca-se o ato de reduzir o racismo, 
o preconceito e a discriminação a fato impune, diante da 
ausência de sanção.

Há diversas penas desproporcionais. De acordo com o novo 
dispositivo legal, a vida de um animal vale mais do que a vida humana.
Basta confrontar os crimes contra a pessoa (ou contra a dignidade sexual) 
e os crimes contra a fauna para que se percebam previsões equivocadas.

Pune-se no projeto a omissão de socorro a animais em perigo, com prisão 
de um a quatro anos. Em contrapartida, a omissão de socorro a um ser 
humano em idêntica situação gera prisão de apenas um a seis meses, ou multa.
Portanto, entre se omitir no socorro a um cão atropelado ou uma criança, é mais
vantajoso deixar a criança para trás.

O ato de promover uma "rinha de galos" é punido com dois a seis anos de prisão, 
pena bem superior ao ato de provocar intencionalmente uma lesão em um humano, 
que incorre em prisão de seis meses a um ano.

Molestar baleias e golfinhos gera pena de prisão de dois a cinco anos. Molestar 
sexualmente um adolescente, sem grave ameaça ou violência, deixa o criminoso 
no máximo dois anos preso. A comissão deixa claro que a proteção penal aos seres 
humanos é inferior à fauna.

A flora brasileira não teve o mesmo tratamento especial. Embora nossas florestas, 
especialmente a Amazônica, sejam alvo de cobiça internacional e de desmatamento, 
destruir inteiramente uma floresta nativa provoca uma reação penal pífia: prisão de 
três meses a um ano -a mesma pena para quem danificar a vegetação de logradouro 
público. Arrancar as pétalas de uma rosa na pracinha ou destruir a Amazônia se
tornam condutas de igual gravidade.

O uso de drogas também merece destaque. Para a nova lei, deixou de ser crime 
portar entorpecentes para consumo pessoal -o suficiente para o consumo médio
 individual por cinco dias. Além da impossibilidade de se definir critérios do que 
seria "uma quantidade razoável", o novo código abre precedente para o tráfico 
difuso. Qualquer traficante flagrado com até 25 porções poderá alegar ser um
mero usuário. Basta dividir a droga com outros "portadores" para poder traficar
em larga escala e, o pior, dentro da legalidade.

Quanto aos delitos patrimoniais, o crime compensa. As penas do roubo simples 
caíram de quatro a dez anos de prisão para três a seis anos. A pena para roubo com
 emprego de arma caiu de cinco a 15 anos para quatro a oito anos de reclusão.

Os futuros criminosos serão contemplados com uma liberdade mais célere, inclusive 
os que já estão presos, já que a lei penal mais favorável ao réu retroage. O atual crime 
de extorsão -a exemplo da obtenção da senha de cartões bancários em 
sequestros-relâmpagos- será considerado roubo por equiparação. Desta forma, 
não será mais possível somar as penas de roubo e extorsão, o que beneficia 
(e muito) o réu.

A aprovação do texto do atual projeto de lei representa um enorme risco 
à segurança jurídica e à sociedade brasileira. Pese a capacidade e o saber jurídico
 de vários de seus membros, a meritória intenção de reforma gerou várias inovações 
positivas, mas também maus resultados.

A esperança de evitarmos prejuízos à sociedade brasileira está nas novas emendas 
ao Projeto. O MP já encaminhou mais de cem propostas de emenda ao Senado
Federal para corrigir estes e outros equívocos no novo Código Penal.

Por Christiano Jorge Santos, professor doutor de direito penal na PUC-SP
e promotor de Justiça

Fonte: Folha de S. Paulo


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