sábado, 28 de julho de 2012
quinta-feira, 19 de julho de 2012
A educação em prol da globalização
Em 1979,
Dalton Trevisan, em seu livro “Vinte Contos Menores”, escreveu o texto “Uma
vela para Dario”. De acordo com a Editora Objetiva, essa estória faz parte dos
100 melhores contos brasileiros do século, e conta a morte de um transeunte
que, momentos antes, passa por um gradativo processo de perda, tornando-se
refém de uma desumana extorsão de seus pertences.
Dario,
porém, surpreendeu-se com um gesto efetivo de solidariedade proveniente de
alguém inesperado: “um menino de cor e descalço veio com uma vela, que acendeu
ao lado do cadáver”. Essa passagem demonstra, claramente, a importância de
valores-princípios imprescindíveis à essência da condição humana. Ser solidário
e ter compaixão ao próximo são sentimentos filantrópicos, os quais levam o
homem a ajudar os demais, prestando-os caridade. Isso necessita ser priorizado
por duas instituições fundamentais no desenvolvimento de uma criança: a escola
e a família.
Elas são as
responsáveis por construir – ou pelo menos contribuir para - a consciência e o
caráter dos indivíduos. Desde pequenos, os infantis são levados à escola e lá
passam a ter um convívio diário, formando relações interativas com pessoas
distintas de cor, raça, religião, poder aquisitivo. Essas diferenças ou até
mesmo desigualdades só serão bem aceitas ou, no mínimo, respeitadas, se houver
uma base familiar estruturada, cuja educação é focada na tolerância ao que não nos
é comum e no discernimento de que todos merecem ser tratados com dignidade, a
fim de estabelecermos uma rotina de equilíbrio fundamentada no pensamento
humanitário.
Essa
reflexão humanística propõe uma geração mais pensada e “gente de pessoa”, como
disse Guimarães Rosa, em “Recado do Morro”. Isto é, um povo com conteúdo
interior, de fato, no qual a essência é prioridade em detrimento da aparência,
gerador de tolerância, amor e solidariedade. Se essas características inerentes
ao Ser humano forem tratadas com descaso e esquecidas, restará, apenas, uma
sociedade individualista, fruto do pensamento capitalista, na qual perderá, sem
perceber, a própria identidade, tornando-se solitária, egoísta e ambiciosa.
Viveremos,
então, em um “circuito fechado”, como escreveu, muito bem, Ricardo Ramos, onde
as pessoas seriam tão imediatistas e mecânicas, ao ponto de ficarem depressivas,
tragadas pela própria insensibilidade. Pitágoras, certa vez, disse: “educai as
crianças, para que não seja necessário punir os adultos”. Acredito, piamente,
pois é no desenvolvimento que erros futuros podem ser evitados, se tratados com
responsabilidade e atenção.
Diante disso, dou crédito ao investimento psicológico das crianças de hoje, para que no futuro possuam consistência, sabedoria e potencial intelectual para perpetuarem o conhecimento humanitário em prol da globalização. Afinal, como diria Pierre Dac, “o futuro é o passado em preparação”.
Amanda Larissa
Tudo nos é dado
Ele acordou em mais um santo dia de chuva
Abriu os olhos e sorriu
Olhou o mundo com a grandeza de um rei
E respirou o ar da liberdade e se lembrou
Que o caminhar livre de um homem
Nenhum dinheiro pode comprar
Nada como um dia após o outro para estar
Preparado para guerra que virá, diferente amanhã
Nada como um dia após o outro para estar
Preparado para guerra que virá, diferente amanhã
Abriu os olhos e sorriu
Olhou o mundo com a grandeza de um rei
E respirou o ar da liberdade e se lembrou
Que o caminhar livre de um homem
Nenhum dinheiro pode comprar
Nada como um dia após o outro para estar
Preparado para guerra que virá, diferente amanhã
Nada como um dia após o outro para estar
Preparado para guerra que virá, diferente amanhã
E seguindo seu caminho rumo ao céu tenta fazer
Sua parte para sempre estar
Em perfeita harmonia
Com sua verdadeira face e brilhar e brilhar
Intensamente até que possa iluminar toda escuridão
Vitorioso, já não se preocupava mais em ser um vencedor
Ao olhos dos outros
Sabia que era mais difícil dominar a si próprio
Pois tudo nos é dado só nos falta fé
Pois tudo nos é dado só nos falta a fé, a fé
Sua parte para sempre estar
Em perfeita harmonia
Com sua verdadeira face e brilhar e brilhar
Intensamente até que possa iluminar toda escuridão
Vitorioso, já não se preocupava mais em ser um vencedor
Ao olhos dos outros
Sabia que era mais difícil dominar a si próprio
Pois tudo nos é dado só nos falta fé
Pois tudo nos é dado só nos falta a fé, a fé
Pois tudo nos é dado só nos falta fé
Pois tudo nos é dado só nos falta fé
Pois tudo nos é dado só nos falta fé
Pois tudo nos é dado
Pois tudo nos é dado só nos falta fé
Pois tudo nos é dado só nos falta fé
Pois tudo nos é dado
Então pra que dificultar tanto se as coisas são tão simples
Pra que querer criar atalhos se existe um só caminho
Existe um só caminho
Pra que querer criar atalhos se existe um só caminho
Existe um só caminho
Pois tudo nos é dado só nos falta fé
Pois tudo nos é dado só nos falta fé
Pois tudo nos é dado só nos falta a fé, a fé
Pois tudo nos é dado só nos falta fé
Pois tudo nos é dado só nos falta a fé, a fé
E tranquilamente ele fecha os olhos sorrindo feliz
E do alto de sua nobreza senhor de si mesmo descansa
Sua alma na sublime pureza de Sião
Sua alma na sublime, na sublime pureza de Sião, de Sião
Descansa sua alma na sublime pureza de Sião, de Sião
Pois tudo nos é dado, tudo nos é dado
Só nos falta fé
E do alto de sua nobreza senhor de si mesmo descansa
Sua alma na sublime pureza de Sião
Sua alma na sublime, na sublime pureza de Sião, de Sião
Descansa sua alma na sublime pureza de Sião, de Sião
Pois tudo nos é dado, tudo nos é dado
Só nos falta fé
Mato Seco
quarta-feira, 18 de julho de 2012
Uma Vela para Dario
Dario vinha apressado,
guarda-chuva no braço esquerdo e, assim que dobrou a esquina, diminuiu o passo
até parar, encostando-se à parede de uma casa. Por ela escorregando, sentou-se
na calçada, ainda úmida de chuva, e descansou na pedra o cachimbo.
Dois ou três passantes rodearam-no e indagaram se não se sentia bem. Dario abriu a boca, moveu os lábios, não se ouviu resposta. O senhor gordo, de branco, sugeriu que devia sofrer de ataque.
Ele reclinou-se mais um pouco, estendido agora na calçada, e o cachimbo tinha apagado. O rapaz de bigode pediu aos outros que se afastassem e o deixassem respirar. Abriu-lhe o paletó, o colarinho, a gravata e a cinta. Quando lhe retiraram os sapatos, Dario roncou feio e bolhas de espuma surgiram no canto da boca.
Cada pessoa que chegava erguia-se na ponta dos pés, embora não o pudesse ver. Os moradores da rua conversavam de uma porta à outra, as crianças foram despertadas e de pijama acudiram à janela. O senhor gordo repetia que Dario sentara-se na calçada, soprando ainda a fumaça do cachimbo e encostando o guarda-chuva na parede. Mas não se via guarda-chuva ou cachimbo ao seu lado.
A velhinha de cabeça grisalha gritou que ele estava morrendo. Um grupo o arrastou para o táxi da esquina. Já no carro a metade do corpo, protestou o motorista: quem pagaria a corrida? Concordaram chamar a ambulância. Dario conduzido de volta e recostado á parede - não tinha os sapatos nem o alfinete de pérola na gravata.
Alguém informou da farmácia na outra rua. Não carregaram Dario além da esquina; a farmácia no fim do quarteirão e, além do mais, muito pesado. Foi largado na porta de uma peixaria. Enxame de moscas lhe cobriu o rosto, sem que fizesse um gesto para espantá-las.
Ocupado o café próximo pelas pessoas que vieram apreciar o incidente e, agora, comendo e bebendo, gozavam as delicias da noite. Dario ficou torto como o deixaram, no degrau da peixaria, sem o relógio de pulso.
Um terceiro sugeriu que lhe examinassem os papéis, retirados - com vários objetos - de seus bolsos e alinhados sobre a camisa branca. Ficaram sabendo do nome, idade; sinal de nascença. O endereço na carteira era de outra cidade.
Registrou-se correria de mais de duzentos curiosos que, a essa hora, ocupavam toda a rua e as calçadas: era a polícia. O carro negro investiu a multidão. Várias pessoas tropeçaram no corpo de Dario, que foi pisoteado dezessete vezes.
O guarda aproximou-se do cadáver e não pôde identificá-lo — os bolsos vazios. Restava a aliança de ouro na mão esquerda, que ele próprio quando vivo - só podia destacar umedecida com sabonete. Ficou decidido que o caso era com o rabecão.
A última boca repetiu — Ele morreu, ele morreu. A gente começou a se dispersar. Dario levara duas horas para morrer, ninguém acreditou que estivesse no fim. Agora, aos que podiam vê-lo, tinha todo o ar de um defunto.
Um senhor piedoso despiu o paletó de Dario para lhe sustentar a cabeça. Cruzou as suas mãos no peito. Não pôde fechar os olhos nem a boca, onde a espuma tinha desaparecido. Apenas um homem morto e a multidão se espalhou, as mesas do café ficaram vazias. Na janela alguns moradores com almofadas para descansar os cotovelos.
Um menino de cor e descalço veio com uma vela, que acendeu ao lado do cadáver. Parecia morto há muitos anos, quase o retrato de um morto desbotado pela chuva.
Fecharam-se uma a uma as janelas e, três horas depois, lá estava Dario à espera do rabecão. A cabeça agora na pedra, sem o paletó, e o dedo sem a aliança. A vela tinha queimado até a metade e apagou-se às primeiras gotas da chuva, que voltava a cair.
Dois ou três passantes rodearam-no e indagaram se não se sentia bem. Dario abriu a boca, moveu os lábios, não se ouviu resposta. O senhor gordo, de branco, sugeriu que devia sofrer de ataque.
Ele reclinou-se mais um pouco, estendido agora na calçada, e o cachimbo tinha apagado. O rapaz de bigode pediu aos outros que se afastassem e o deixassem respirar. Abriu-lhe o paletó, o colarinho, a gravata e a cinta. Quando lhe retiraram os sapatos, Dario roncou feio e bolhas de espuma surgiram no canto da boca.
Cada pessoa que chegava erguia-se na ponta dos pés, embora não o pudesse ver. Os moradores da rua conversavam de uma porta à outra, as crianças foram despertadas e de pijama acudiram à janela. O senhor gordo repetia que Dario sentara-se na calçada, soprando ainda a fumaça do cachimbo e encostando o guarda-chuva na parede. Mas não se via guarda-chuva ou cachimbo ao seu lado.
A velhinha de cabeça grisalha gritou que ele estava morrendo. Um grupo o arrastou para o táxi da esquina. Já no carro a metade do corpo, protestou o motorista: quem pagaria a corrida? Concordaram chamar a ambulância. Dario conduzido de volta e recostado á parede - não tinha os sapatos nem o alfinete de pérola na gravata.
Alguém informou da farmácia na outra rua. Não carregaram Dario além da esquina; a farmácia no fim do quarteirão e, além do mais, muito pesado. Foi largado na porta de uma peixaria. Enxame de moscas lhe cobriu o rosto, sem que fizesse um gesto para espantá-las.
Ocupado o café próximo pelas pessoas que vieram apreciar o incidente e, agora, comendo e bebendo, gozavam as delicias da noite. Dario ficou torto como o deixaram, no degrau da peixaria, sem o relógio de pulso.
Um terceiro sugeriu que lhe examinassem os papéis, retirados - com vários objetos - de seus bolsos e alinhados sobre a camisa branca. Ficaram sabendo do nome, idade; sinal de nascença. O endereço na carteira era de outra cidade.
Registrou-se correria de mais de duzentos curiosos que, a essa hora, ocupavam toda a rua e as calçadas: era a polícia. O carro negro investiu a multidão. Várias pessoas tropeçaram no corpo de Dario, que foi pisoteado dezessete vezes.
O guarda aproximou-se do cadáver e não pôde identificá-lo — os bolsos vazios. Restava a aliança de ouro na mão esquerda, que ele próprio quando vivo - só podia destacar umedecida com sabonete. Ficou decidido que o caso era com o rabecão.
A última boca repetiu — Ele morreu, ele morreu. A gente começou a se dispersar. Dario levara duas horas para morrer, ninguém acreditou que estivesse no fim. Agora, aos que podiam vê-lo, tinha todo o ar de um defunto.
Um senhor piedoso despiu o paletó de Dario para lhe sustentar a cabeça. Cruzou as suas mãos no peito. Não pôde fechar os olhos nem a boca, onde a espuma tinha desaparecido. Apenas um homem morto e a multidão se espalhou, as mesas do café ficaram vazias. Na janela alguns moradores com almofadas para descansar os cotovelos.
Um menino de cor e descalço veio com uma vela, que acendeu ao lado do cadáver. Parecia morto há muitos anos, quase o retrato de um morto desbotado pela chuva.
Fecharam-se uma a uma as janelas e, três horas depois, lá estava Dario à espera do rabecão. A cabeça agora na pedra, sem o paletó, e o dedo sem a aliança. A vela tinha queimado até a metade e apagou-se às primeiras gotas da chuva, que voltava a cair.
Dalton Trevisan
Texto extraído do livro "Vinte Contos Menores", Editora Record – Rio de Janeiro, 1979, pág. 20.
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